Relatório mostra que padres da divisão eclesiástica Legionários de Cristo, inclusive seu fundador, abusaram de crianças e adolescentes por mais de 70 anos
Por Machado da Costa - Atualizado em 22 dez 2019, 13h35 - Publicado em 22 dez 2019, 13h29
O fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, recebe a bênção do Papa João Paulo II, em 30 de novembro de 2004 Tony Gentile/Reuters |
Pelo menos 175 menores de idade foram vítimas de assédios sexuais cometidos por membros dos Legionários de Cristo entre 1941 e 2019, 60 deles por seu fundador Marcial Maciel, de acordo com um relatório interno da poderosa congregação ligada à Igreja Católica divulgado no sábado. Os abusos foram cometidos por 33 religiosos, sacerdotes ou diáconos, de acordo com o relatório elaborado pela “Comissão de casos de abuso infantil do passado e atenção às pessoas envolvidas” e que abrange desde a fundação da congregação, em 1941, até 16 de dezembro deste ano. “A maioria das vítimas eram crianças adolescentes com entre 11 e 16 anos”, detalha o relatório divulgado no site zeroabusos.org.
A divisão eclesiástica, considerada uma das mais conservadoras linhas dentro do Vaticano, passou a ser investigada após denúncia de Jose barba, um ex-membro da congregação. Em depoimento de 2014, ele afirmou que o Papa João Paulo II tentou encobrir o escândalo. Barba contou que enviou “uma tonelada e meia” de documentos à Igreja para que a Cúria tomasse conhecimento dos abusos e investigasse à congregação. No entanto, nada foi feito até a morte do Papa, em 2005. As primeiras denúncias surgiram ainda em 2004. A canonização de João Paulo II, segundo Barba, seria a “epítome do encobrimento”, pois refletiria “um enorme desejo de deixar a questão de lado e esquecer Maciel”. O sucessor de João Paulo II, o Papa emérito Bento XVI, determinou uma investigação por parte do Vaticano em 31 de março de 2009, cerca de um ano após a morte de Maciel.
A publicação deste relatório, que comprova a existência de estupros contra crianças e adolescentes, acontece após o papa Francisco eliminar o segredo pontifício para as denúncias de abuso sexual, um pedido das vítimas que garantirá maior transparência diante de uma realidade escandalosa que desacreditou a Igreja Católica. A congregação, fundada em 1941 pelo mexicano Maciel (1920-2008), argumenta que avançou junto a 45 das vítimas num processo de “reparação e reconciliação”, embora reconheça a necessidade de facilitar esse processo para outras.
Dos 33 padres que cometeram abusos, sem considerar Maciel, 18 ainda fazem parte da congregação, mas estão afastados de obras públicas ou que envolvam contato com menores. O relatório mostra também que, desses 33 padres acusados de abusarem de menores de idade, 14 deles foram vítimas na própria Congregação, o que evidencia a existência de “cadeias de abuso” onde “a vítima de um legionário, com o passar dos anos, se tornou agressor”.
“Nesse sentido, é emblemático que 111 dos menores abusados na Congregação tenham sido vítimas de Maciel, ou de uma de suas vítimas”, afirmou. A comissão, criada em 20 de junho pelo superior geral dos Legionários de Cristo, padre Eduardo Robles-Gil, afirmou que “não acredita que seu estudo tenha sido capaz de descobrir todos os casos”, uma vez que ocorrem no ocultismo.
(Com AFP)