1929
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Nós corremos de Lampião até hoje, em nossos sonhos...
Lampião pintava horrores judiando, amarrando as pessoas em pés de mandacaru, matando. E, antes de matar ainda perguntava:
- Como é que você quer morrer? É deitado, sentado, ajoelhado ou em pé?
Contam os mais velhos, que, certa vez, Lampião pediu dinheiro a um jovem casal. Este se negou a dar. Lampião prendeu o marido na cauda de um cavalo e saiu correndo com o animal. A esposa acompanhou correndo até quando encontrou o bando numa fazenda tomando café. O marido continuava amarrado. Ela pediu tanto que ele soltou o homem dizendo:
- Solta esse diabo que parece que é casado de novo!..
Foi no ano de 27 que nós demos a primeira carreira. Eu tinha catorze anos...
Vinha a história:
- Vem Lampião! Vem Lampião!
A gente pensava que Lampião vinha. Mas, longe, ele atacou a Fazenda Triunfo. Era um lugarejo. No entanto, o medo era tanto que ninguém pensava em nada. Só em correr para escapar da tirania de Lampião e de seu bando. Aristides, parente nosso, tinha uma fazenda chamada Maravilha.
E, aí, um certo dia, ele mandou um vaqueiro que era procurador fazer um serviço lá na fazenda. E lá Zezinho Ferreira, primo de Júlio Ferreira, o vaqueiro contratador, encontrou Lampião que lhe perguntou:
- Quem é você, que vê Lampião e não muda?
Aí, ele disse:
- O Senhor é homem como eu.
Lampião achou isso uma vantagem, então disse:
- Aqui é a fazenda do capitão Aristides?
Zezinho disse:
- Sim.
Lampião perguntou:
- E ele é muito valente?
- É.
Então, Lampião disse:
- Olhe, vou fazer um bilhete.
E fez. No bilhete ele dizia:
“Aristides, eu sou o Capitão Virgulino, o Lampião.
Escrevo porque sei que você é muito forte e quero ir aí em Itiúba para lhe encontrar.”
Tentou entrar aqui em Itiúba muitas vezes, mas não conseguiu porque só há três saídas e a cidade é cercada por serras...
O Coronel Aristides Simões de Freitas, homem forte, valente, intendente, recebeu o bilhete de Lampião pedindo que mandasse dois contos de réis. E este destemido mandou dizer que ele viesse buscar. Mas Itiúba era prevenida com homens contratados nas trincheiras das três entradas esperando Lampião. Aristides se preveniu. Mandou chamar o povo do Chorroxó. Eles já tinham feito buracos nas imediações do lugarejo, para esperar Lampião. E, atendendo ao chamado do capitão Aristides, o povo de Chorroxó veio. Eram uns onze homens.
Eu me lembro de um que chamava Luiz... E era bonito e forte...
Logo depois, veio esse povo do Virgílio. Aí, Aristides esperou, esperou e ele não veio. Lampião não veio. Só pode ter sido com medo. Nisso, Aristides mandou a resposta do bilhete. Mas, quando o portador lá chegou, ele não estava. Não esperou a resposta de que eles podiam vim. E foram embora. Aristides ficou com esta força de homens armados e com os contratos, guardando a cidade. Tinha uma tropa na estrada de Senhor do Bonfim e outra estação, mas lá muito adiante, quase na fazenda Estado. Só tinham três entradas, e ele, o Lampião, não veio. Fugiu.
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1931
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Quando foi em outra época, em meados de 1929, ele quis entrar aqui...
Chegou até a casa da Fulo, na entrada da Calçada de Pedra, por onde ele tinha que passar para entrar aqui. As tropas continuavam a postos e armadas à espera de Lampião e o seu bando. De repente, ouviu-se um trotar. Era um jumento correndo. Nesse alvoroço, os guardas pensaram que era Lampião, e aí soltaram descargas de tiros. Aí todos responderam e fechou Itiúba de tiros... E todas as outras trincheiras começaram a atirar sendo que estavam avisadas, porque pensaram que os jumentos correndo era a tropa de Lampião. E a gente aqui correu para se esconder.
Mamãe sempre corria. Já era morfina. Vivia com as cobertas no corredor. Quando diziam:
- Olha! Lampião, está perto!
A gente ia se esconder na casa de Sinhá Preta. Mas, com medo dos tiros, corríamos para a Serra dos Macacos, pensando que Lampião tinha chegado. E o povo gritava:
- Lampião chegou!
E lá passamos três dias, porque podia ele chegar. Encontramos uma mulher que vinha com o chinelo na cabeça, e perguntamos:
- O que foi?
Ela disse:
- Já mataram Seu Simão, lá do Tatu, e foram para a casa de dona Amélia, do Castanho.
Eram todos tios nossos. Mamãe chega caiu do susto. Lá dormimos na cama feita de casca de feijão, mas tudo ficou em silêncio. No entanto, mamãe não quis descer. Com três dias depois, teve outro alvoroço, outro tiroteio. Aí fomos pela Fazenda Tapera, por dentro do mato. O mato grande não tinha caminho. A gente ficava cansada, mas tinha que continuar para fugir do tirano Virgulino, vulgo Lampião.
Aí, passaram-se poucos dias e Lampião entrou em Bananeiros.
A notícia chegou até aqui pelos telégrafos... Mamãe quase que morre... Estávamos na escola. Nós quase não aprendemos a ler, porque eram só três anos de estudo na escola. Vivíamos fugindo.
O prédio era perto da Estação Ferroviária, local aonde Lampião iria primeiro, para cortar o sino. Porque bater o sino era um dos sinais que avisavam que Lampião estava chegando ou que estava por perto. Fugimos para a casa de Sinhá Preta, onde tinha um caldeirão. Papai dizia:
- Quando tiver tiroteio, vamos nos deitar, todos aqui atrás dessas pedras.
Quando foi um certo dia, no meio da noite, estávamos limpando o tanque da nação e tinha dois bangüês para carregar o barro. Quando nós enxergamos Vovó Iaiá Bebé com os bangüês todos melados de barro. Ela não caminhava. Não era pela idade que ela tinha, mais ou menos oitenta anos. Era porque ela sofria de asma e era murfina. Ficou tropa.
Aí, Aristides colocou ela dentro do bangüê e mandou entregá-la a papai. Aí foi quando teve outro tiroteio e avisaram que Lampião já estava na casa de Dona Fulo...
E teve este tiroteio.
Nós, então, fomos para a Serra dos Macacos e deixamos vovó na casa de Sinhá Preta, que morava ali perto da Fazenda Umbuzeiro. Foi cômica essa história. Correu todo mundo. Só dois homens não correram, o Pai do Nino Pires e Acelino. Para piorar a situação, nessa noite papai não estava em casa. Tinha ido visitar um compadre e mamãe disse:
- Como é que a gente corre?
Eu só sei que corremos. Corremos nos capinzais adentro. Que fuga louca. Ali era verdadeira luta pela sobrevivência...
Eu sei de tanta coisa...
Uma delas é que meu avô materno contava que Lampião dormiu em sua fazenda, onde foi recebido com maior respeito... O rei do Cangaço abriu as cercas da roça de meu avô e colocou os animais para comer toda plantação. No dia seguinte o cangaceiro deu dinheiro para que fizesse uma nova plantação.
Lampião pernoitou na casa de meu pai, e, na hora da janta, tirou uma colher de prata que trazia. Antes de comer colocou a colher na comida para ver se não estava envenenada. Caso a colher ficasse preta era porque havia veneno. Ele tinha vontade entrar na cidade, mas o mesmo temia o Coronel Aristides Simões, que também era conhecido pela sua valentia. Aristides e a população estavam sempre armados à espera do cangaceiro do Nordeste. O Rei do Cangaço estava furioso porque queria roubar o cofre o senhor Belarmino Pinto de Azeredo, que foi o primeiro prefeito de Itiúba, e saquear a feira livre.
Lampião e seu bando chegaram na casa de uma senhora conhecida como Fulô, na zona rural de Itiúba, ameaçando entrar na cidade. Ela disse a Lampião:
- Coronel Lampião, não vá não! Eu sou amiga para lhe dizer que lá tem forças fortes, soldados e homens contratados nas trincheiras.
Desistindo da investida, seguiu para Queimadas. Cortou os fios da estrada de ferro para que ninguém mandasse telegramas avisando que estava chegando. Já em Queimadas foi para o quartel, onde prendeu o sargento e os soldados. Passou a noite dançando. Ao amanhecer o dia, seguiu novamente para o quartel e matou sete soldados, sendo um filho de Itiúba...
E assim seguiram viagem para Santa Rosa...
FONTE:
SILVA FILHO, Rubens Antonio da. “Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Helena Isaura de Carvalhal”, in: “Cangaço na Bahia” site: cangaconabahia.blogspot.com acessado em 08 de dez de 2015.
FONTE:
SILVA FILHO, Rubens Antonio da. “Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Helena Isaura de Carvalhal”, in: “Cangaço na Bahia” site: cangaconabahia.blogspot.com acessado em 08 de dez de 2015.